"O que importa é que Cristo está sendo pregado". Mesmo?
Por Augustus Nicodemus Lopes
Um amigo no Twitter me
perguntou se Filipenses 1:18 não justificaria o show gospel. Acho que
ele tinha em mente o festival gospel na Globo e a hipotética novela da
Globo com uma heroína evangélica e as apresentações de cantores gospel em programas seculares.
Para quem não lembra, Paulo diz o seguinte em Filipenses 1:15-18:
“Alguns, efetivamente, proclamam a Cristo por inveja e porfia; outros, porém, o fazem de boa vontade;
estes, por amor, sabendo que estou incumbido da defesa do evangelho;
aqueles, contudo, pregam a Cristo, por discórdia, insinceramente,
julgando suscitar tribulação às minhas cadeias. Todavia, que importa?
Uma vez que Cristo, de qualquer modo, está sendo pregado, quer por
pretexto, quer por verdade, também com isto me regozijo, sim, sempre me
regozijarei” (Fp 1:15-18).
A interpretação popular
desta passagem, especialmente desta frase de Paulo no verso 18,
“Todavia, que importa? Uma vez que Cristo, de qualquer modo, está sendo
pregado, quer por pretexto, quer por verdade, também com isto me
regozijo, sim, sempre me regozijarei” – é que para o apóstolo o
importante era que o Evangelho fosse pregado, não importando o motivo e
nem o método. A conclusão, portanto, é que podemos e devemos usar de
todos os recursos, métodos, meios, estratégias, pessoas – não importando
a motivação delas – para pregarmos a Jesus Cristo.
E que, em decorrência, não podemos criticar, condenar ou julgar ninguém
que esteja falando de Cristo e muito menos suas intenções e
metodologia. Vale tudo.
Então, tá. Mas, peraí...
em que circunstâncias Paulo disse estas palavras? Se não me engano,
Paulo estava preso em Roma quando escreveu esta carta aos filipenses.
Ele estava sendo acusado pelos judeus de ser um rebelde, um pervertedor
da ordem pública, que proclamava outro imperador além de César.
Quando os judeus que acusavam Paulo eram convocados diante das autoridades romanas para explicar estas acusações
que traziam contra ele, eles diziam alguma coisa parecida com isto:
“Senhor juiz, este homem Paulo vem espalhando por todo lugar que este
Jesus de Nazaré é o Filho de Deus, que nasceu de uma virgem, que morreu
pelos nossos pecados e ressuscitou ao terceiro dia, e que está assentado
a direita de Deus, tendo se tornado Senhor de tudo e de todos. Diz
também que este Senhor perdoa e salva todos aqueles que creem nele, sem
as obras da lei. Senhor juiz, isto é um ataque direto ao imperador, pois
somente César é Senhor. Este homem é digno de morte!”
Ao fazer estas acusações, os judeus, nas próprias palavras de Paulo, “proclamavam a Cristo por inveja e porfia... por discórdia, insinceramente, julgando suscitar tribulação às minhas cadeias” (verso 17).
Ou seja, Paulo está se
regozijando porque os seus acusadores, ao final, no propósito de
matá-lo, terminavam anunciando o Evangelho de Cristo aos magistrados e
autoridades romanos.
Disto aqui vai uma
looooonga distância em tentar usar esta passagem para justificar que
cristãos, num país onde são livres para pregar, usem de estratégias no
mínimo polêmicas para anunciar a Cristo. Tenho certeza que Paulo jamais
se regozijaria com isto, pois ele mesmo disse:
“Porque nós não
estamos, como tantos outros, mercadejando a palavra de Deus; antes, em
Cristo é que falamos na presença de Deus, com sinceridade e da parte do
próprio Deus” (2Co 2:17).
“Pelo que, tendo este
ministério, segundo a misericórdia que nos foi feita, não desfalecemos;
pelo contrário, rejeitamos as coisas que, por vergonhosas, se ocultam,
não andando com astúcia, nem adulterando a palavra de Deus; antes, nos
recomendamos à consciência de todo homem, na presença de Deus, pela
manifestação da verdade” (2Co 4:1-2).
“Eu, irmãos, quando
fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não o fiz com
ostentação de linguagem ou de sabedoria. Porque decidi nada saber entre
vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado. E foi em fraqueza, temor e
grande tremor que eu estive entre vós. A minha palavra e a minha
pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em
demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa fé não se apoiasse
em sabedoria humana, e sim no poder de Deus” (1Co 2:1-5).
Portanto, usar
Filipenses 1:18 para justificar que qualquer estratégia serve para
anunciar o Evangelho é usar texto fora do contexto como pretexto.
Fonte: Augustus Nicodemus
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