É a obediência necessária para a salvação?
Por Marcelo Berti
A questão sobre a
relação da obediência e a salvação não deve ser menosprezada, pois tal
relação é evidente nas escrituras. Entretanto, a questão que se nos
impõe nesse artigo é: A obediência produzir a salvação? Que existe
deliberada relação entre obediência e salvação nas escrituras não se
pode negar, contudo, devemos nos perguntar: Existe causalidade entre um e
outro? É a salvação que promove a obediência, ou a obediência que
promove a salvação?
Segundo nos instrui
Mateus, o jovem rico teria perguntado ao nosso Senhor: “Mestre, que
farei de bom para ter a vida eterna?” (Mat.19.16). A este Jesus
respondeu: “Se você quer entrar na vida, obedeça aos mandamentos”
(v.17). Ao que esse texto parece indicar, nosso Senhor ensina que a
obediência à Lei é um requisito para a Salvação. Paulo também parece
favorecer a esse conceito quando diz: “Não me atrevo a falar de nada,
exceto daquilo que Cristo realizou por meu intermédio em palavra e em
ação, a fim de levar os gentios a obedecerem a Deus” (Rm.15.18). Esse
texto parece indicar que a missão de Paulo era de levar os gentios à
obediência a Deus, como uma missão de salvação. Será que a obediência é
necessária para alguém chegar a salvação?
1. A obediência como causa da salvação
Em primeiro lugar,
devemos colocar em perspectiva o diálogo entre Cristo e o Jovem rico.
Observe primeiramente que a questão do jovem estava equivocada: “Mestre,
que farei de bom para ter a vida eterna?” (Mat.19.16). Esse jovem
acreditava que a vida eterna era resultado da qualidade do seu esforço.
Contudo, Cristo ao invés de exortá-lo pela incoerência de sua afirmação,
Ele responde à altura da sua pergunta: (1) Primeiro ele qualifica o
sentido do termo bom (Bom só tem um!) e então (2) Ele quantifica a
extensão da bondade requerida (Obedeça os mandamentos!).
O plural do termo
“mandamentos” indica que Cristo tem em mente todos os mandamentos
apresentados na Torá, ao invés de uma lista restrita. Em outras
palavras, se bondade é o caminho da salvação, perfeição é necessária.
Como a desobediência de somente um ponto da lei tornaria o homem culpado
de toda ela (Tg.2.10), Cristo ensina nessa parábola que para o homem a
salvação é impossível (Mat.19.26), se a obediência é o caminho
escolhido. Em outras palavras, o foco dessa perícope não é estabelecer
que a obediência causa a salvação, mas que a obediência a Lei não pode
levar a salvação!
Isso coloca por terra os
argumentos infundados dos indoutos que defendem que a obediência é a
causa da salvação. Há aqueles que se abstém do convívio dos incrédulos
por não suportarem sua desobediência aos mandamentos divinos. Há aqueles
que evitam e/ou são evitados por sua constante e irritante mania de
tentar cercear a pecaminosidade de outros, como se isso fosse um serviço
divino. Se sentem arautos da moralidade divina e querem impor suas
preferências morais como forma de expandir a influência do Reino de
Deus. Entretanto, todas essas iniciativas à parte da Graça encontrada
Somente em Cristo não tem valor eterno e servem apenas para exaltar o
ego do religioso orgulhoso que se considera juiz dos homens.
Alguns o fazem de modo
tão persuasivo que existe pessoas que jamais encontraram a Cristo como
salvador, mas por se submeterem a um rígido código moral (que
eventualmente nem ético é) pensam ser portadores da luz divina, quando
na verdade são apenas homens e mulheres enganados pela religiosidade
vazia. Esse é o grande perigo do LEGALISMO! Ele impõe a obediência como
fundamento da salvação e condena os desobedientes. É nada mais que uma
perversão da verdade e um modo de aprisionamento religioso. Não salva e
não pode salvar! É moralidade vazia, é legislação sem vida. É a mais
cruel forma de aprisionamento religioso. É avesso à Cruz e a Cristo. É
contra a Glória de Deus.
2. A obediência como salvação
Em segundo lugar, nós
precisamos colocar em perspectiva algumas informações das escrituras
relacionadas com a salvação e a obediência. Paulo, por exemplo, usava os
termos “fé” e “obediência” de modo intercambiável. Observe que em
Rm.1.8 ele afirma “que a vossa fé é anunciada em todo o mundo“, mas em
16.19 ele afirma: “pois a vossa obediência chegou ao conhecimento de
todos“. Nesse caso, Paulo usa o mesmo conceito em termos que parecem
antagônicos. Entretanto, esse sentido é visto claramente em Rm.15.18:
“Não me atrevo a falar de nada, exceto daquilo que Cristo realizou por
meu intermédio em palavra e em ação, a fim de levar os gentios a
obedecerem a Deus“. Aqui é evidente a consideração de Paulo sobre o
início da fé como obediência a Deus. Obviamente ele não tem em mente a
moralização do mundo, como alguém poderia sugerir, mas sua
evangelização: “Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo
e este crucificado” (1Co.2.2).
Essa co-relação é também
exposta em sentido negativo, pois Paulo quando refere-se a judeus não
convertidos ele diz: “Porquanto, ignorando a justiça que vem de Deus e
procurando estabelecer a sua própria, não se submeteram à justiça de
Deus“. A não sujeição, ou desobediência à Justiça que vem de Deus faz
com que os judeus estejam fora da participação da fé salvadora. De modo
semelhante Paulo diz em Rm.10.16: “No entanto, nem todos obedeceram ao
evangelho“. A resposta ao evangelho foi entendida por Paulo como um ato
de obediência, mas isso não significa que a obediência seja o meio de
recebimento da salvação. Isso significa que a fé em Cristo é uma
resposta obediente ao decreto salvífico de Deus.
Esse conceito é bem visto na conhecida declaração de Paulo sobre os gentios e judeus, antes e depois
da fé, em Rm.11.30-32: “Assim como vocês, que antes eram desobedientes a
Deus mas agora receberam misericórdia, graças à desobediência deles,
assim também agora eles se tornaram desobedientes, a fim de que também
recebam agora misericórdia, graças à misericórdia de Deus para com
vocês. Pois Deus colocou todos sob a desobediência, para exercer
misericórdia para com todos”. Em 2Co.9.13 a fé é vista como a submissão
da confissão do evangelho de Cristo: “glorificam a Deus pela obediência
da vossa confissão quanto ao evangelho de Cristo”. Nesse texto a NVI
traduziu a obediência que acompanha a confissão, o que segmenta o
conceito de “obediência como demonstração de fé” em “obediência que
segue a confissão“. Caso seja isso verdadeiro, a fé acontece antes da
obediência, o que nos soa muito mais sensato.
O que isso nos instrui é
que, para Paulo, a aceitação da mensagem aparece com um ato de
obediência, pois a mensagem do evangelho está centrada no reconhecimento
de Cristo morto e ressurreto como Senhor além de exigir a renúncia da
autocompreensão antes da fé, e a inversão da direção volitiva (i.e.
conversão). Essa obediência da fé é de fato a obediência verdadeira,
aquela que a lei havia exigido, mas pelo mau uso da lei os judeus a
reprimiram e instituíram a justiça própria como meio para se gloriarem
nas obras da lei. Contudo, a atitude do homem debaixo da fé é
radicalmente antagônica a do judeu, observe: “Pois quem é que te faz
sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste,
por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?” (1Co.4.7). Isso
por que a Salvação oferecida por Deus tem por objetivo “que ninguém se
glorie” (1Co.1.29; Ef.2.8-9), mas “aquele que se gloria, glorie-se no
Senhor” (1Co.1.31; 2Co.10.10), como o fez Abraão (Rm.4.20).
A implicação dessa
submissão a Cristo como Senhor para participação da fé, não significa
que a salvação vem pelo reconhecimento e submissão do senhorio de
Cristo, mas implica na inabilidade das obras pessoais, ou da justiça
própria para a salvação. É o reconhecimento humilde da impossibilidade
de auto-salvação, e a plena dependência aos méritos de Cristo como único
mediador entre Deus e os homens. Em outras palavras, crer é obedecer,
ou submeter-se a Deus. Com essa compreensão em mente, podemos
compreender o que Paulo que dizer quando chamou os judeus de rebeldes em
Rm.15.31 (eles não crêem, portanto rejeitam).
Nesse sentido, a
concepção de Paulo afirma que a fé não acontece primariamente com
arrependimento e conversão (demonstrado pelo pouco uso que essas
palavras tem na literatura paulina), mas com a obediência que renuncia a
justiça própria. O princípio fundamental, portanto, é que a Graça
divina foi manifesta em Cristo Jesus (Rm.3.21-4) que agora conclama
todos os homens (1Tm.2.4; Tt.2.11) para si mesmo (2Co.5.19) por meio do
ministério da igreja (1Co.1.21), e a fé (Ef.2.8) é a resposta obediente a
esse chamado.
3. A salvação como causa da obediência
Por fim, precisamos
colocar em ordem a relação entre salvação e obediência. Como já
demonstrado, a obediência é incapaz de produzir a salvação. Também já
vimos que eventualmente as escrituras (especialmente Paulo) usa o
conceito da fé salvadora como um ato de obediencia. Agora, resta-nos
demonstrar que a obediência verdadeira é produzida pela salvação. É
Pedro quem nos ensina que os eleitos são eleitos para a obediência, e
não o inverso: “eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em
santificação do Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue de
Jesus Cristo” (1Pe.1.2). As preposições aqui fazem toda a diferença e
merecem ser observadas com atenção. As expressões “segundo” (prep. gr.
κατα), “em” (gr. εν) e “para” (gr. εις) são usadas com cada uma das
pessoas da Trindade e oferecem a descrição do processo da salvação.
(1) Os cristãos são
eleitos por Deus segundo a presciência divina, e não por causa da
presciência divina. Em outras palavras, o conhecimento prévio de Deus
não foi a causa da escolha, mas a escolha estava em conformidade com
ela. Para Pedro a determinação divina e Seu conhecimento antecipados dos
fatos não estavam em conflito (At.2.23), e representam a Suprema
Soberania Divina sobre a história humana (1Pe.1.20).
(2) Os cristãos são
eleitos por meio da santificação do Espírito Santo. A preposição grega
εν aqui funciona como um um dativo de instrumentalidade que manifesta o
meio pelo qual a ação da eleição é realizada. Em outras palavras, “Deus
[n]os escolheu para serem salvos mediante a obra santificadora do
Espírito” (2Ts.2.13). É a ação do Espírito Santo o meio pelo qual a
eleição é realizada. Isso manifesta que a ação humana em resposta à
escolha divina é precedida/acompanhada pela obra Santificadora do
Espírito Santo.
(3) Os cristãos são
eleitos para a obediência. Por fim, a ação divina é que aquele que foi
salvo por sua Graça seja então obediente. A obediência, portanto, segue a
obra santificadora do Espirito Santo, e consequentemente é parte da
manifestação da mesma. A também preposição εις manifesta o objetivo pelo
qual nós fomos salvos, isto é, nos fomos salvos para obedecermos. Isso é
complementado pela expressão “aspersão do sangue de Jesus Cristo“, que
denota a consagração ministerial (cf. Ex.29.21; Lv.8.30; Hb.10.22).
Em outras palavras, as
escrituras afirmam que a salvação precede a obediência, e que na
verdade, a eleição é o fundamento da obediência cristã. Isso não
significa que homens não regenerados não possam agir em conformidade com
a estipulação moral divina (Rm.2.14-15; cf. At.10.1-2), mas segundo a
escritura a tal conformidade não é fundamento para a salvação. O
evangelho é necessário para a salvação (cf. At.4.12; At.10.36-43), e
para o salvo a obediência é exigência (1Jo.2.3-11; cf. Para o Cristão a Obediência é Exigência).
Fonte: NAPEC
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